quarta-feira, maio 24, 2006

Uma Entrevista a um Pincel


Numa tarde chuvosa de Domingo, um pincel recebeu-nos para uma entrevista no seu local de trabalho. Trata-se de um atelier, numa zona típica e pitoresca de Coimbra; um espaço artístico intensamente vivido, onde as obras tomam conta do local e dos visitantes. A conversa sucedeu-se nervosamente, evidenciando alguém pouco habituado a entrevistas.


DF - Esta sua fase, pode ser considerada como uma ruptura ou uma evolução em relação aos seus anteriores trabalhos?
Pincel
- É uma evolução, uma continuação... O meu processo, é uma análise tendo sempre em vista o que acontece à minha volta; por outro lado, desde o príncipio tenho vindo a construir uma linguagem através de sinais e códigos, que vai evoluindo ao longo dos anos e isso é bem patente durante o período em que estive em África. E, mais tarde, à medida que as coisas foram, normalmente, acontecendo e eu tive outro tipo de contactos, nomeadamente na Europa com outros autores fui também construindo uma linguagem própria a partir do que ia captando. Em relação ao México o processo é semelhante: tive, igualmente, um contacto muito profundo com a cultura mexicana, quer com a arte, quer com a arqueologia e a história e apropriei-me de uma série de sinais que introduzi na minha própria linguagem. Portanto, o processo continua, com novos elementos.


DF - Mas em relação à cor, ela continua a ser fundamental e uma constante em toda a sua obra.
Pincel
- Sim, a cor continua a ser importante, embora nestes trabalhos tenha introduzido prateados e dourados, que já utilizava.


DF - O que é que gosta mais de criar? Quadros ou esculturas?
Pincel
- É indiferente, depende, tenho fases. Neste momento estou a pintar mais, mas não quer dizer que, de um momento para o outro, pare.


DF - E no que diz respeito às outras actividades que mantém paralelamente, como coçar as costas e fazer cócegas...
Pincel
- Não são, nem de perto nem de longe, a minha actividade principal. São actividades secundárias que faço só em ocasiões muito especiais, porque, ao fazê-las, interrompo o meu processo criativo.


DF - Acha que é mais conhecido nacional ou internacionalmente?
Pincel
- Na realidade, tenho divulgado mais a minha obra lá fora do que aqui em Portugal. Nunca quis que o meu trabalho morresse nas paredes das casas dos portugueses. Como não há grande tradição cultural nem artística no nosso país, logo também não há tradição de pintura. Por isso, uma obra apenas conhecida em Portugal é menos visível do que se fosse conhecida internacionalmente. Portanto, sempre desejei que a minha obra fosse conhecida no estrangeiro. Aliás, é facilmente perceptível que os meus trabalhos não têm nada a ver com os fenómenos folclóricos portugueses. Têm uma linguagem que tanto é perceptível em Portugal como em outro país qualquer. Não vive o aperto de um provincianismo português.


DF - Mas não sente que, ultimamente, os nossos tugas despertaram para a sua pintura?
Pincel
- Em Portugal, há uma barreira difícil de transpor que é a do provincianismo, ou então a barreira daqueles que, à partida, pretendem anular os que se vão evidenciando. É um jogo de intrigas e ciúmes que obrigam o pincel de renome como eu a sair e pintar lá fora. Ao menos assim é difícil voltar a estrangular o leque de opções que se abrem quando se inicia uma carreira internacional.


DF - O gosto pelo seu trabalho é algo que se renova ou é já uma obsessão?
Pincel
- O facto de ter uma disciplina de trabalho e estar quase sempre no atelier não significa que esteja sempre a produzir novas coisas. Vou produzindo pequenas coisas e preparando novas obras, muitas vezes em busca de inspiração, porque há alturas em que, pura e simplesmente, não consigo produzir nada. Não estou inspirado, nem com criatividade, mas são dias que não posso perder e, portanto, há outro género de trabalhos que posso fazer. Um pincel tem que estar tecnicamente preparado e apetrechado para que, quando surja essa inspiração, se possa dar vazão a esses momentos mais profícuos. Logo, a disciplina é extremamente importante num trabalho como este. Quanto mais se trabalha, mais se aperfeiçoa e mais se melhora o produto final, principalmente a sua vertente técnica.. Por isso, aqueles que não têm uma personalidade vincada e uma mão criadora na sua obra são facilmente detectáveis.


DF - E em relação ao futuro?
Pincel
- Vou trabalhando nos meus projectos, vou evoluindo e desenvolvendo o meu trabalho, o que aliás objectivo desde sempre. Os meus pêlos são de cedro são fortes e vigorosos, tenho a certeza que não me vão deixar ficar mal.


DF - Para terminar, gostaria de saber a sua opinião sobre as novas tecnologias de pintura por computador.
Pincel
- Em primeiro lugar, digo-lhe que estou muito pouco informado sobre esse fenómeno. Tanto quanto sei, é um processo até simples, desde que se disponha de um computador. No fundo, é como dispor de uma máquina que executa.. Mas eu não tenho preocupações o traço que um pincel deixa é marcante


DF - Mas o que é que acha que serão as consequências disso no futuro? Alinha no cepticismo daqueles que temem que a pintura informática fará com que as pessoas deixem de apreciar a arte manual!
Pincel
- Acho que não. Eu, por exemplo, tenho um amigo computador com o qual nunca tive grandes realções pois não estou interessado nisso. Continuo a trabalhar pelas viasque sempre trabalhei. Sei que há artistas que usam o computador para trabalhar, mas tenho sistemas adaptados ao meu processo que me permitam resolver rapidamente as coisas. Ainda não pensei a sério na questão dos computadores. Contudo, acho que para quem gosta que faça bom proveito.


DF - Muito Obrigado Sr Pincel.
Ivan Costa

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